Aqui onde tudo é ruína, fico pensando... Construção em vias de abandono, em par com seu contrário, em consonância com seu revés. Não dizemos, com isso, que construímos ruínas. Não é isso. Mas a aceitação de uma tal desordem e um tal malogro, fincado e preso nessas tentativas esquisitas de inventar uma forma, várias formas, é inevitável, porque nos conformamos, de certo modo, com a deformação. A deformação despretensiosa do sentido, da invenção e do gênero - que não há.
Vária coisas me ocorrem, várias idéias simultâneas e concorrentes, mas quase nada me fica, nada quer indelevelmente se derramar nessa tela tão rabiscada; restam-nos os pingos de conceitos, imagens e construções arruinadas desde sua origem. São desenhos dispersos, mas unidos pela mesma água inicial, coisa que infiltra e faz a tal aproximação, que percebemos um tanto surpreendidas, assustadas. Resta-me beber vocês, beber esta tela, beber esta água incompreensível que abastece nossos dedos. E de novo os dedos, nossas repetições.
Falíveis, sempre; mas o reconhecimento disso só reforça essa nossa teimosa infância: pouca mácula, nenhuma legitimação... rsrsrsrs. Essa também é a nossa felicidade. Mais um erro postado, invenção que não funciona. Que alegre fracasso.
Nessa casa, equivocadamente confundida com caos.
“Alguém trouxera cavalos, descendo os caminhos da montanha.
Alguém viera do mar.
Alguém chegara do estrangeiro, coberto de pó.
Alguém lera livros, poemas, profecias, mandamentos,
inspirações.
- Estas casas serão destruídas.
Como um girassol, elaborado para a bebedeira, insistente
no seu casamento solar, assim
se esgotará cada casa, esbulhada de um fogo,
vergando a demorada cabeça para os rios misteriosos
da terra,
onde os próprios arquitectos se desfazem com as suas mãos
múltiplas, suas caras ardendo nas velozes iluminações.
(...)
Casas são rios diuturnos, nocturnos, rios
celestes que se queimam lentamente
até uma baía fria, fria – que talvez não exista,
como uma secreta eternidade.
Falemos de casas como quem fala da sua alma,
Entre um incêndio,
Junto ao modelo das searas,
Na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
E morrer com um pouco, um pouco
De beleza.”
Herberto Helder
