era só pra falar talvez, virar as costas e dar a entender pelo andar leve que voltaria depois. um, dois, três,
ele contaria baixo. os olhos fechados, às vezes até caberia um cantarolar embromado, aquelas músicas velhas de antena1 na hora do almoço. típica trilha sonora de salas de espera.
sala de espera: pernas cruzadas, conversas banais, relógio e ponteiros aprisionando momentos que podiam ser verdes e alegres, como o céu lá de fora, que se vê pela persiana semi cerrada. algo me habita então.. esfregar os olhos, bocejar, é o colírio ou o barulho do aparelho de dentista? quem sabe não seja o brilho do sorriso da mulher que sai da sala e diz: uma menina, meu bem. será uma menina.. nossa ana!
mas então, você daria alguns passos e olharia pra trás. Avistaria, com orgulhosa calma, o banco vazio.
banco vazio: grades metálicas, madeiras brancas. gotas multiformes de chuva: “não, não senta, você vai se molhar”. choque térmico, folhas secas assentadas no banco de cimento, um livro esquecido, uma história encontrada, nomes rabiscados. a menina de tênis, jeans e camiseta preta resolve sentar e pensar na vida. faz-se invisível, pessoas passam, nada vêem.
você esperava encontrá-
lo assim que virasse pra trás:
ele deveria estar lá, olhando à sua esquerda, o pescoço ligeiramente inclinado, a exata pose para a fotografia exata. preto-e-branco. se aquele retrato fosse tirado, você o teria capturado pra si, numa imagem que seria a eterna keepsake, para ser guardada em lugar íntimo e secreto, pois era tesouro inseparável. já que nunca carregava com você nenhum aparelho fotográfico, teria acabado de perder a chance de tê-
lo para sempre, mas inconsciente dessa perda, você seguiria tranqüila. [mas é verdade que nenhuma fotografia conseguiria captar o belo assombro dos olhos
dele. seu garoto olhava o nada com curiosidade tão ávida, assim, meio tombando para a esquerda. sempre. e perdia o olhar com tamanha concentração que você tinha medo de se saber vista por
ele. um medo que ora se transformava em desejo agudo, afiado e certeiro: os olhos de seu menino seriam então buracos negros, o caminho e a força que levariam a .. a algum lugar a que sempre desejou muito chegar.]
mas
ele não estava lá. nenhuma keepsake, real ou imaginária, perfeita ou incompleta, nenhuma lembrança seria concedida. o talvez que você insinuara antes de sair não fora compreendido. calma e orgulhosa, deparava-se, então, com o banco vazio.
hesitante por não mais que meio segundo, você voltou atrás. e, sentada, começou a contar: um, dois, três. restou-lhe fechar os olhos, mas quando os abrira, já não sabia mais o que significavam os passos leves que levaram seu garoto para longe dali. teria sido um talvez?
ele voltaria depois? por um momento não sabia quem partira, quem esperava.. e por quem? antes de começar a sussurrar suas músicas antigas, você se assustou. o silêncio selou seus lábios assim que o-algo-de-errado se fez evidente. você percebeu que quase caíra na tentação do devaneio, uma vez mais
aliviada , você se levanta e segue altiva em sua recusa ao delírio. o banco sempre estivera vazio, dizia a sentença que a cada dia se fazia mais leve sobre seus ombros cansados.