Depois do pôr-do-sol
Guardo o instrumento como quem guarda uma alegria em desuso, jogando um pequeno cascalho no rio corrente, esperando que ele afunde e que eu fique imune, salvo daquele afogamento. Na dissolução lenta dos meus elementos de ligação, a água manchada, o beijo frio, a poeira que levanta. Se a sujeira é irreversível, tenho que aceitar que a culpa não foi minha, que a graça de perder não tem graça nenhuma, é o que chamamos por aí de ante-graça: DESGRAÇA. Dedico ao meu amigo Glauber o uso, sempre indevido, mas pertinente, da palavra. E agradeço à Dalila, pelas músicas que ambientaram a ruína desse texto. Dedico à Suellen que sabe viver como ninguém pelas distâncias e pelos choques metafísicos, ela, que sublima saudades em presenças. Dedico à Fatinha, pela graça, e pela caixa de Pandora que um dia virá, embora o medo de abri-la... Dedico ainda a mim mesma, que, ao contrário da Suellen, sou material, física e “amo com o estômago”, conforme me disse um primo-amigo hoje. A mim que quero sempre ter as mãos beijadas em público, de olhos fechados, olhos atentos; esse texto que começa e termina sem substância nenhuma, entranhado de uma mágoa extra-textual que mantém essa escrita capenga, suspendendo toda forma de alegria-rápida, contra um fast-food possível. É capenga e insustentável, doída, cravada em nada, como se ainda descesse, caindo em direção ao fundo do rio.
