20 junho 2006

take the long way.. home?

E era o momento da volta, então. Até onde as lembranças valeriam? Onde repousaria, calma e oscilante, a linha limite entre o reconhecimento e a surpresa? O que encontraria de novo nas memórias velhas, que tomariam forma e consistência diante de suas mãos e olhos? O cheiro de hortelã no banheiro, o pêlo dos gatos em cima do sofá, os pôsteres na parede. Pão de sal com nutella, a sopa na xícara, a mtv sem vjs. As havaianas esquecidas propositalmente debaixo da cama, onde estariam agora? As manchas de parafina sobre a mesa, o cheiro de incenso no quarto, o que sobrara dos rituais de solidão? A cortina rosa, a cama e a janela deveriam ser as últimas sobreviventes.

De volta ao gaguejar, ao caça-palavras mental, a língua se enrolando em busca daquele som tão ... distante. De volta ao medo da volta, choque de inércias, terror das aterrissagens irreversíveis. Pois bem, prazer em conhecer, já que não somos mais os mesmos. Evidência incômoda, de obviedade meramente superficial. Prazer em conhecer, e, estrangeiros e estranhos, seremos apresentados com o velho nome, nossa única constante.

Mas o melhor é não se demorar por aí... Traga-me logo um dicionário e o chocolate quente. Não... quase me esquecia, traga logo o suco de maracujá, porque faz tanto calor... A gente vai pra varanda e você me ensina o nome das flores. ora, minha memória é fraca e eu nem as reconheço mais. Só não esqueci a tulipa e o girassol, enfim, você sabe porque. Traga também o guia da cidade, com todas as novidades desde que parti. Ah, quer dizer que só reformaram a igreja e a biblioteca? A escola fechou porque não há mais crianças? Você conta com despercebida tristeza que a cidade é cada vez mais silenciosa... Os risos vêm da tv... e do computador. Às vezes, o riso vem também diante do espelho, mas nunca por muito tempo... as rugas se formam no canto dos olhos e da boca, os dentes se mostram altivos e amarelados, a fuga da juventude incomoda um pouco, a graça se perde.

São dez horas da noite, o sol ainda lá fora, a paisagem clara, a grama tão aparada. Vontade pueril de dar cambalhotas, mas... agora sou adulta, e, por isso, contenho-me. Acompanho-lhe no cigarro e enquanto perde seu olhar na xícara do café forte que acaba de passar, eu vasculho as fendas na velha casca da velha árvore. Penso em força e resistência, a idéia da morte me vem suave e delicada. Você volta a me falar do seu avô que foi à guerra. Provavelmente não escuto, estou tão ocupada em trazer-me inteiramente de volta. Escurece. Ainda não sei onde estou, mas acomodo-me nesse não-lugar. Acalmo-me, passo a prestar atenção em suas histórias e esqueço as minhas. Entro em sintonia com a nova inércia, uma vez de volta, não mais me seria preciso voltar.

10 Comments:

Blogger sue said...

when lonely days turn to lonely nights, you take a trip to the city lights, and take the long way home...take the long way home!


um dia aprendo a tocar gaita, enfim.

fato é que bandas velhas como supertramp não combinam muito com mp3 e etc, né? fica só a indicação de que é felizinha a mzk.. eu recomendo.

junho 20, 2006 3:24 PM  
Anonymous Anônimo said...

não combina com MP3??? por que??? no meu PC combinam sim!!! :-)

junho 21, 2006 12:00 PM  
Blogger M__ said...

Pergunte ao Mick Jagger como fazer..

junho 21, 2006 12:14 PM  
Blogger sue said...

nha.. era uma desculpa esfarrapada, porque eu mesma não tenho a música em mp3.

deve estar perdida em algum vinil de daddy.

e mister m_, não tengo os apetrechos high tech do mick jagger para realizar a proeza de passar a musiquinha do vinil pro pc..

enfim, mas vocês, que são seres desbloqueados, devem achar fácil no emule, soulseek ou o até.. hihi, no kazaa.

junho 21, 2006 2:34 PM  
Blogger maraiza said...

"De volta ao gaguejar, ao caça-palavras mental, a língua se enrolando em busca daquele som tão ... distante. De volta ao medo da volta, choque de inércias, terror das aterrissagens irreversíveis. Pois bem, prazer em conhecer, já que não somos mais os mesmos. Evidência incômoda, de obviedade meramente superficial. Prazer em conhecer, e, estrangeiros e estranhos, seremos apresentados com o velho nome, nossa única constante."

Prazer em conhecê-la, Sue. Prazer em desconhecê-la todos os dias, prazer em não reconher agora, e me ver diante de uma novidade em lugar de antigos vícios.

junho 21, 2006 2:41 PM  
Blogger maraiza said...

no seu caso, nem o nome.

junho 21, 2006 2:42 PM  
Blogger sue said...

hum, e agora, eu falo o quê?


sua menina emudecedora..

junho 21, 2006 5:02 PM  
Blogger sue said...

só uma coisa, mara, você pensou no unheimlich [ou algo com grafia parecida]?

eu pensei.

junho 21, 2006 5:06 PM  
Anonymous Anônimo said...

tempos depois:


ora meninas, mas não é pra vocês me reconhecerem. é justamente esta a idéia.

junho 23, 2006 8:55 AM  
Blogger maraiza said...

não tinha pensado nisso não, mas é claro que é possível. Em quase tudo que é bom, dá pra pensar no "estranho".

junho 26, 2006 4:39 PM  

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